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O ocaso de José Sarney – o cotidiano do homem que já foi o mais influente do país em seis décadas

Crédito: <strong>Orlando Brito/ObritoNews</strong>

NA GAMELEIRA Essa árvore plantada no Palácio do Alvorada era um dos cenários preferidos para o fotógrafo Orlando Brito retratar o então presidente Sarney. A primeira imagem foi no auge do Plano Cruzado (em 1986) e a segunda a 3 dias de deixar o mandato (em 1990) (Crédito: Orlando Brito/ObritoNews)

Orlando Brito/ObritoNews

Ele foi o político mais influente do Brasil nas últimas seis décadas. Já foi deputado, governador, presidente da República, senador e presidente do Senado por três vezes. Mas, nos últimos meses, a voz começou a ficar embargada, a mente já não flui como antigamente e os políticos, que faziam romaria à sua casa para aconselhamentos, desapareceram. Hoje, aos 89 anos, o ex-presidente José Sarney vive no ostracismo e confessa: “O que me mantém vivo é escrever”. O ex-presidente aproveita o tempo ocioso em sua mansão na Península dos Ministros – a área mais nobre de Brasília, onde estão instaladas embaixadas, residências de ministros, do presidente da Câmara e do Senado, entre outras – , avaliada em R$ 4 milhões, para escrever sua biografia, que já está com 800 páginas, mas que ele ainda nem sabe se vai publicar. Paralelamente, escreve textos para atualizar a segunda edição de “José Sarney, Bibliografia e Fortuna Crítica”, com 400 páginas, traduzidas para 12 idiomas. “Agora, eu só trato de livros”, diz o ex-presidente, que se orgulha também de ter lançado, em 2018, o “Galope à Beira-Mar”, no qual conta “causos” de sua infância em Pinheiro, interior do Maranhão, onde nasceu como José Ribamar Ferreira de Araújo Costa.

“Não sou velhaco”

Como só dorme em torno de quatro horas por noite, Sarney começa a dedilhar no computador por volta das 22h e depois lê até adormecer. Mais do que os cargos públicos que ocupou na mais longeva carreira política da história do País, Sarney diz se orgulhar dos livros que escreveu, como “Norte das Águas” e “Marimbondos de Fogo”, que o levaram à Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele também enaltece o “Saraminda”, que foi elogiado até por Claude Lévi-Strauss, descrevendo-o como “um belo livro” que o encantou.“Se eu tivesse de pedir a Deus, antes de nascer, se queria ser político ou escritor, sem dúvida escolheria a segunda opção. Tive mais alegria de ir para a ABL do que ocupar a presidência da República”, diz o ex-presidente.

O decano reconhece, porém, que deixou um grande legado para a política brasileira e não apenas para a literatura. Apesar de todos só lembrarem que no período em que foi presidente (1985-1990), o País viveu uma hiperinflação de 200% ao ano, foi no seu governo que consolidou-se a Constituinte. “Fiz a Constituição. Então, como é que eu sou a velha política? Repetindo o doutor Ulysses Guimarães: eu sou velho, mas não sou velhaco”, disse Sarney, que hoje vive confinado em sua casa em Brasília ou em São Luis, onde acabar de passar três meses. O antigo motorista de Sarney em Brasília, Antonio Martins, revela que o político vai para o Maranhão quando faz frio na capital federal, como aconteceu agora no inverno. “Dona Marly, sua esposa, que já está com 86 anos, não passa bem com o frio e aí eles se mudam para São Luis. Quando passa o frio aqui, eles voltam. O presidente retornou a Brasília neste sábado (9)”, explica à ISTOÉ.

Dona Marly, “mulher da vida toda”, é outra razão de viver de Sarney. Com saúde frágil, a ex-primeira-dama caiu e fraturou uma perna no ano passado. Fez uma delicada cirurgia, mas ainda tem dificuldades para andar. Assim, Sarney dedica boa parte do tempo a cuidar da esposa. Afinal, vivendo com aposentadorias de ex-presidente e ex-governador do Maranhão no valor de R$ 90 mil, Sarney é cercado por funcionários e de luxo. Até hoje alimenta o hábito de mandar comprar as frutas prediletas no Mercadão de São Paulo, que são despachadas para o Distrito Federal por meio das companhias aéreas. Apesar de manter um escritório em um dos maiores shoppings de Brasília, raramente Sarney o freqüenta. Afinal, cada vez ele se dedica menos à política e aos negócios do qual é proprietário no Maranhão, incluindo fazendas e veículos de comunicação, como jornal, rádios e emissora de televisão.

Na verdade, a velha raposa nunca quis saber do desempenho das empresas, que são administradas integralmente pelo filho Fernando Sarney e pela nora Tereza. Os outros dois filhos, Roseana e Zequinha, seguiram o pai e nunca se interessaram pela administração empresarial, preferindo seguir a carreira política. Roseana já foi governadora e senadora, mas não conseguiu novo mandato de governadora do Maranhão na eleição do ano passado, enquanto Zequinha, que foi até ministro, não se reelegeu deputado. Ambos, assim como o pai, vivem em viés de baixa na política.

O imortal

Quando lhe perguntam se sente-se velho e aposentado da política, ele responde sem pestanejar que “não”, embora não esconda que não tem mais ânimo para se dedicar ao dia a dia da vida partidária, já que ainda é o presidente de honra do MDB. Ele prefere dizer que põe em prática a receita de um dos grandes escritores que ele mais admira, Gabriel Garcia Márquez: refletir sobre o ocaso do tempo. Como bom hipocondríaco que é, contudo, Sarney se recusa a falar das dores que lhe acometem e nunca profere a palavra morte. Ele deseja cultuar a imortalidade que adquiriu com uma cadeira na ABL.

 

Da revista Isto é

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Elias Lacerda

Elias Lacerda

Elias Lacerda
Jornalista apaixonado pela notícia e a verdade