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Túnel do Tempo: – Lembranças de Rosalina

Por Gil Alves Santos

1 – PSIU! Com que idade você conheceu a ROSALINA? Não lembra ou não teve ainda o privilégio em conhecê-la? Pois desde os meus tempos de estudante, no Liceu Piauiense e na Escola Industrial de Teresina, quando a conheci, desfilando de tamancos de “maria mole” nas ruas dessa Timon, que dela guardo boas e inesquecíveis lembranças. Secretamente, eu me encontrei com ela, sem evidentemente cometer qualquer pecado! Altas horas, todos dormindo, alguns roncando de modo incomodativo e eu ali com ela, rósea na sua pele, daí o nome ROSALINA, sem balbuciar uma palavra e também muda pelo inusitado do encontro. Até cantarolei, intimamente, a canção À MEIA-LUZ, na versão de Lourival Faissal, interpretada por Nelson Gonçalves:- “À meia-luz nós dois, e tudo à meia-luz. São suaves os desejos à meia-luz do amor.” Dois mudos. Dois mundos, sim, mas unidos numa simbiose cerebral que só a inteligência humana explica – e entende. Um interlocutor fantasma, aos meus ouvidos me dizia:- Ah! Essa Rosalina atormenta-o. Ela acabará por enlouquece-lo!

2 – Ó maldoso! Ó maldosa! Indecente! – vale para os dois gêneros. Aliás, se bem me atualizo, comum de dois, para lembrar Dona Bela do Chico Anísio:- Só pensa naquilo. A ROSALINA de que falo aqui é aquela originária da criação do genial SHAKESPEARE na belíssima ROMEU E JULIETA, lançada e encenada em 1593, que na década de 50, como estudante, a encontrei e me acompanha até os dias atuais. É para esquecer ROSALINA que ROMEU vai ao baile de máscara na casa dos capuletos. E é nesse baile que conhece JULIETA. De fato, na relação das personagens da peça não consta o nome de ROSALINA, que, sem fala, mas por alguns é muito falada:- Montechio, Capuleto, Mercúcio (o interlocutor), Benvólio, Romeu, Julieta, Sansão, Frei Lourenço e outras.

3 – ROSALINA, que morava numa chácara próxima de Verona, e já naquela época jogava tarô, búzios e runas, era, nas falas de Mercúcio, bela de coração de pedra. Em um jardim, realmente era a mais bela das rosas! Foi o primeiro amor de ROMEU e por ele venerada – até conhecer JULIETA, de quem Rosalina era prima. Esse fato faz com que a bela, aborrecida com a prima, desapareça do enredo, saiu de cena. Preste atenção na bronca que Frei Lourenço passa em Romeu, que já seduzia Julieta, ainda na fase dos amassos (Ato II, Cena II):- Frei Lourenço:- “ROMEU, que mudança é essa? ROSALINA, sua adorada, tão depressa é posta no esquecimento? O coração no amor dos moços nada influi, senão somente aos olhos.” Essa reprimenda já tinha merecido uma cáustica e fina ironia de Julieta, ainda não totalmente envolvida com o dito cujo, assim:-

“……………………………………………………………”

“Para mim, Romeu não passa de um jovem na fase das paixões. Não vê o que fez com a pobre Rosalina? Dela ninguém lembra não, né? Mas de Romeu, todo mundo fala de seu louco amor por Julieta.”

4 – Verona, como todos sabem, é uma cidade italiana, quente, para os padrões europeus, como uma das nossas aqui dos trópicos – quentura esta que reflete no corpo e mente dos jovens. Por isso, Rosalina, no seu enorme sítio, guarnecido por altos muros, se bronzeava como uma deusa deitada na maciez de seus jardins, envolta em tiras de seda, que ela própria pespontava, protegendo as suas vergonhas, como disse Pero Vaz de Caminha com as índias brasileira ( = quatro moças e bem gentis, com cabelos muitos pretos (…) e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas…). Ao longe ela visualizava os seus belos cavalos, prontos para o passeio vespertino, sem ninguém a acompanha-la, tudo sob vigilância da tia HILDA, além de velha, rabugenta, que lhe dizia:- homem? só o Romeu! Nenhum outro. Eu penso que Shakespeare trocou as personagens, pois ROSALINA deveria ser a Julieta e Julieta era para ser a ROSALINA. Assim, porém, não o quis.

5 – ROSALINA, dominada pela forte personalidade da tia HILDA, era arrogante, cruel, imaginava-se a melhor bolacha do pacote. Só pensava nos búzios. Esses atributos muito contribuíram para que ROMEU a deixasse por JULIETA:- meiga, simples, compreensiva, autêntica, firme, que amadureceu e tornou-se mulher quando caiu nas graças, nos braços e nas pernas de ROMEU. Tão firme e segura que não aceitou as juras de ROMEU feitas na beleza da Lua, que os

banhava. Diz ela:- “NÃO ROMEU! NÃO JURES PELA LUA, ESSA INCONSTANTE, QUE SEU CONTORNO CIRCULAR ALTERA TODOS OS MESES, PORQUE NÃO PAREÇA QUE TEU AMOR, TAMBÉM, É ASSIM MUDÁVEL (Ato II, Cena II). Logo Frei Lourenço, que passa aos amados a linguagem religiosa do namoro, percebeu as mudanças e os ajudou até mesmo na morte, que de todos é conhecida:- JULIETA, filha única dos capuletos, enfia o punhal em seu próprio coração. ROMEU, um montecchio, bebeu meio copo de estriquinina. A partir de então as famílias, que eram inimigas, finalmente, fumam o cachimbo da paz.

6 – Talvez pelas razões acima é que tenho LEMBRANÇAS DE ROSALINA, nada obstante os 428 anos de que é possuidora. Ainda volto, se me for permitido.

GIL ALVES DOS SANTOS, 86-9972-0524 ([email protected]). É advogado. Aposentado do Banco do Brasil.

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Elias Lacerda

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Jornalista apaixonado pela notícia e a verdade