Artigo do juiz João Pereira Neto : ” Viva o Zé Pereira de Timon”

Águas de Timon - Novembro/2024

Por João Pereira Neto

Há muitos anos , ainda estudante, passando por Timon e ali ‘arranchado’ na casa de parentes, resolvi ir ao Centro da cidade para comprar jornais de circulação no Maranhão (leia-se São Luís).

Fui primeiro à banca que todos consideram a principal, localizada próxima ao prédio da Prefeitura. O dono do pequeno estabelecimento me disse que lá não tinha o que procurava, mas que na banca da rodoviária com certeza não faltaria o produto.

Mas qual não foi a minha surpresa ao saber que lá (e em nenhum outro local) também não se vendiam jornais da Ilha. Concluí, então, que Timon, pelo seu grande porte e condição geopolítica, era uma cidade mais piauiense do que maranhense. Pouca coisa de informação da Capital timbira se tinha ali à disposição. A propósito, hoje em dia poucas bancas de revista ainda existem, ramo comercial que a internet parece ter sepultado com impressionante rapidez.

Aliás, até bem pouco tempo, antes da privatização, a operadora de telefonia fixa era a do vizinho Piauí (Telepisa), possuindo código de discagem direta/DDD daquele Estado. Sem falar que a imensa maioria dos habitantes labutam em Teresina, transformando Timon em verdadeira ‘cidade-dormitório’ do Meio Norte do Brasil.
Sem os benditos jornais e para não perder o ‘embalo’, dirigi-me a uma lanchonete ali mesmo na rodoviária, para tomar um copo de caldo de cana. Foi quando então escutei uma pessoa perguntando a outra, que estava de malas prontas para viajar, se ela não estaria em Timon para passar o “Zé Pereira”, que seria realizado no mês seguinte.

Após a resposta afirmativa, intrometi-me na conversa e indaguei sobre o que diabos seria o tal Zé Pereira. Disseram-me que era uma brincadeira/evento que acontece na cidade havia muitos anos, quase sempre em final de semana próximo à folia carnavalesca. Em outras palavras: é uma espécie de micareta que antecede ao Carnaval, animada por bandas e conjuntos artísticos de renome nacional.

Confesso que, talvez pela falta de divulgação do evento no resto do Maranhão, jamais tinha ouvido falar desse carnaval fora de época. Ao me aprofundar com amigos a respeito do assunto, relataram-me que, de fato, a coisa era bem divertida e empolgante, atraindo mulheres bonitas e marmanjos de tudo quanto é lugar.

Fui aos livros e pesquisei que a brincadeira do Zé Pereira, geralmente, é realizada na véspera do Carnaval para anunciar a chegada da festa popular, antecedendo a semana gorda.

Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, conta que a origem do nome Zé Pereira deveu-se a um sapateiro português radicado no Rio de Janeiro, então Capital do Império, de nome José Nogueira de Azevedo Paredes.

Referido cidadão lusitano, na segunda-feira de carnaval do ano de 1846, reuniu alguns amigos e colegas de copo para arrocharem o nó, como se diz no Interior, sujos de farinha branca e mais enfeitados do que burro de cigano, como se espera dos foliões em tais festividades, onde o mais recatado cidadão solta a franga e se revela quem é.

Reunida, a turma do português e ele próprio saíram em uma barulhenta passeata pelas ruas da cidade, sendo o cortejo todo regado a grandes goles de aguardente de cana, misturada com cascas de angico e pedaços de gengibre.

Sob o efeito da bebida que iam tomando durante a inocente brincadeira, os companheiros do ‘portuga’ trocaram o nome do chefe do grupo e deram vivas a “Zé Pereira”, quando devia ser “ZÉ NOGUEIRA”. E o diabo é que a troça literalmente ‘pegou’, acabando por fixar-se na mente dos brincantes.

E no carnaval do ano seguinte, em situações semelhantes, a moda continuou e ninguém mais esquecia o tal Zé Pereira, atribuindo o seu nome às andanças de grupos pelas ruas, avenidas e esquinas cariocas. E isso se tornou fator de grande animação do carnaval de rua, por mais de meio século, e um indicador do entusiasmo dos foliões.

Quanto a Timon, a propósito, para quem gosta do gênero, o Zé Pereira daquela cidade, neste ano de 2024, teve início ontem e vai até hoje, sendo que, conforme dizem, aquela folia é melhor do que dinheiro achado em calçada alta.

Vida longa ao _parente_ Zé Pereira de Timon!
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João Pereira Neto (na foto à esquerda) é Juiz de Direito de Entrância Final – São Luís/MA.

Elias Lacerda

Jornalista apaixonado pela notícia e a verdade

5 comentários sobre “Artigo do juiz João Pereira Neto : ” Viva o Zé Pereira de Timon”

  1. Matéria bem sucinta, objetiva e com apresentação da tese sobre a origem das palavras ”Zé Pereira” . Muitos foliões timonenses, teresinenses e nas adjacências não sabem dessa ascendência, um verdadeiro resgate do conhecimento cultural brasileiro .
    Pela nota observa-se que quando o evento existe e que povo participa com amor, alegria, segurança e em aglomeração é difícil deixar de haver e daí vida longeva.
    Assim, deixamos o parabéns ao juiz sobre essa bela matéria redigida e certamente levará a população a faculdade de conhecer.

  2. Parabéns pelo pelo escrito Dr. João. Timon no passado não tinha quase notícias da capital São Luís. Mas na rodoviária de Timon sempre vendiam exemplares do Jornal Pequeno e do Jornal o Estado do Maranhão. Depois o Jornal o Estado do Maranhão deixou de ser vendido,e ficou só o Jornal Pequeno. O Jornal Pequeno sempre era vendido na Rodoviária de Timon. O Senhor foi que não teve a sorte de encontrar naquele dia. Digo isso porque eu comprei muito jornal Pequeno na Rodoviária de Timon. Sou morador de Timon, nasci e me criei nessa cidade. Hoje estou com 50 anos de idade.

  3. Que legal meu estimado compadre, saber a origem dessa brincadeira que se transformou em um evento grandioso, sobretudo em Timon. Parabéns pela bela explicação.

  4. Dr. João Neto (meu xará), respeitado nome da área jurídica, dando uma rápida aula de cultura, ressaltando um dos eventos mais tradicionais, que hoje compõe o calendário cultural da nossa Timon.

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