Crônica Túnel do Tempo: “E cheguei em Timon”
Por Gil Alves dos Santos
1 – A saída do Buriti Cortado se deu na manhã do dia 23 de agosto de 1954, segunda-feira. Destino: Timon. Meu pai, o GENESÃO DE AÇO (na foto à esquerda), possuía uma tropa de 20 jegues e o bom tropeiro chamava-se DOMINGOS CAIPIRA. Manejando como um maestro uma “taca” – uma vara de tamarindo tendo na ponta um relho “curtido” e seco como se uma cinta, que “estralava” com precisão na retaguarda da tropa: ora servia de acelerador e ora servia como freio. E os jumentos o obedecia pronta e cegamente. Por volta das 17 horas, no povoado Bambu, dobrávamos à esquerda à procura da rede telegráfica – que hoje não existe mais – a rota final de chegada na cidade e que nos levava à antiga Rua do Fio, começo e fim da via de comunicação – o telégrafo – de então. Minha irmã, a Doutora Angélica, mora exatamente nesse marco.
2 – Marchando alguma léguas do Bambu havia uma pequena tribo cujo nome não me lembro e aqui fazíamos pousada – [e a comida para nós também era farta:- uma lata de leite ninho estava cheia até a tampa com um aromático e saboroso frito de galinha feito por minha mãe Maria Delfina. Uma delícia inesquecível] – até a manhã do dia seguinte:- surrões e jacás eram descarregados, e os animais espalhados na relva onde o pasto existia em abundância. Uns com as peias nas pernas dianteiras – algemas, na verdade, e outros com chocalhos para fácil localização. Às cinco horas da
manhã já “…tava tudo arrumado…”, pois, no máximo, até às 8 horas da manhã a tropa havia de estar no Armazém do Coronel Luiz Firmino de Sousa, rico e bom empresário daquela época com quem meu pai mantinha excelentes negócios – por conta disso ele, o Genésio, se tornou administrador das propriedades do “Seu” Luizinho, primeiro, no Zumbi e depois, na Tapera.
3 – A comunicação era por bilhete[biête] – tanto o que estava chegando quanto as mercadorias que íamos levar, pois, meu pai, o GENESÃO DE AÇO, dominava um comércio bem surtido no BURITI CORTADO, forte na compra de babaçu e nos cereais da região, inclusive, algodão, que era levado para outro comércio, também no lombo dos jegues, o de CAXIAS, com duas fábricas de tecido. Aqui ele travou amizade com ninguém menos que o Sr. EUGÊNIO BARROS, empresário e cotonicultor, ao depois, governador do Estado do Maranhão.
4 – Faço um parêntese para dizer que sendo meu pai um homem de visão, pois, viveu um século à nossa frente, houve por bem levar uma professora, já aposentada, para desasnar os filhos, já 8 ou 9, graças à intermediação dos compadres Nezinho Felismino e Padre Delfino. Deu certo! Vejam, meus 5 leitores, o bilhete que o GENESÃO DE AÇO deixou dentro do velho e centenário baú, de agosto de 2010, que ainda resiste, lá na Canoa, endereçado aos filhos, hoje GENESIOLÂNDIA:- “Não deixo patrimônio para ser dividido. Já [o] fiz em vida: a escola, o diploma e o saber. Não existe riqueza maior.”
Devo admitir, que meu pai, absolutamente analfabeto, via ALAN KARDEC, leu Platão. Com certeza!
Multidão acompanha funeral de Getúlio Vargas: talvez o presidente mais popular da história do Brasil
5 – Na manhã do dia 24 de agosto de 1954, terça-feira, e já se vão 63 anos, estava eu e o tropeiro DOMINGOS CAIPIRA nas calçadas dos armazéns do Coronel Luiz Firmino, quando fomos avisados de que uma enorme jibóia residia nos depósitos pronta para digerir os ratos que ali povoavam. O jovem e dinâmico LUIZ PIRES, gerente e secretário das lojas do Coronel era mais do que prestativo! Disse-nos que às 13:00 horas retornássemos à Loja para pegar os suprimentos da quitanda de meu pai – café, fumo, açúcar, sabão, pólvora, espoleta, sal, querosene jacaré, fósforo, e, esquecer jamais:- um tipo de sardinha em lata, verdadeiro manjar, comida com arroz branco e ovo. Foi quando, aí por volta das 10 ou 11 horas da manhã uma multidão de pessoas, algumas até chorando, estava na praça da Igreja de São José abalada com a notícia da morte do Presidente GETÚLIO VARGAS, transmitida pelo serviço de amplificadora A VOZ DE SÃO JOSÉ, do saudoso e querido PADRE DELFINO. Uma dupla de violeiros deixou uma estrofe que nunca me saiu da cabeça desde aquela triste e inesquecível data: 24 de agosto de 1954, dia de minha chegada em Timon, em definitivo, para estudar. A quadra dos violeiros é esta:-
– A vinte e quatro de agosto
– O sol nascia tristemente
– Mas logo soubemos da causa
– Morreu nosso presidente.
6 – Em 1956, tendo feito o vestibular na modalidade de Exame de Admissão, eu estava na Escola Industrial de Teresina (terceiro colocado na ordem de classificação), no curso de marcenaria, sendo diplomado em dezembro de 1960. A Dona Socorro Setúbal, que suponho ainda viva, foi a minha madrinha na solenidade de colação de grau na vetusta Escola Industrial. No ano seguinte fui para o Exército, em Campo Maior, aqui ficando por uma boa temporada.
GIL ALVES DOS SANTOS, é bacharel em Direito ([email protected]). O telefone é: 9972-0524.
Se há algo de que tenho muito o que reclamar é o fato de não ter conhecido (ainda) pessoalmente esse cronista autor desse belo texto. Há muito o acompanho por meio dos seus escritos por esta via, mas, mesmo tendo morado por mais de meia década em Timon, nunca tive o privilégio de dialogar com esse cronista memorialista. Seus textos nos fazem lembrar um José Lins do Rego, dado ao descortinar das coisas simples do mundo rudimentar e criativo do povo do sertão e das aventuranças do seu cotidiano. Que Deus continue dando-lhe inspiração para que ele cada vez mais possa expor cinematograficamente suas lembranças, com sensibilidade de quem filmou as cenas e com genialidade para repassar o filme, sem alterar-lhe o roteiro e sem descaracterizar seus personagens ou cair no anacronismo. (César William)
Mais um belo texto de autoria de meu tio Gil Alves, muito bom tio, já espero pelo próximo… eu já bem sabendo boa parte de todos eles de camarote, rsrsrs.