Artigo – A atividade de caça no meio norte do Brasil: informações gerais
Em um momento em que praticamente todas as atenções estão voltadas ao Covid-19, e há muita razão para isso, decido escrever sobre outros temas também relevantes envolvendo nossa Biodiversidade e Sociedade. Aproveitando-se dessa situação calamitosa causada pela pandemia muitos estão agindo impiedosa e criminalmente contra a Amazônia, contra nossos ambientes naturais.
O aumento do desmatamento na Amazônia brasileira é de mais de 200% quando comparado março do ano vigente a março do ano passado. Escrevi mais de uma vez aqui, nesse portal, sobre a forte relação nefasta entre grau de degradação ambiental e surgimento de epidemias, inclusive colocando a Amazônia brasileira como “forte candidata” à região de surgimento de futuras epidemias, caso o desmatamento continue no ritmo que está.
Vamos à questão do texto de hoje: atividade de caça. A Lei nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998 em seu artigo 29 destaca claramente que “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória é crime, exceto se tiver a devida permissão, licença ou autorização de autoridade competente” (geralmente pesquisadores com competência técnica comprovada visando pesquisa científica). Acrescento aí o caso de ser comprovadamente para sobrevivência ou subsistência.
Em nossa região tatus, pacas, tamanduás ou mambiras, porcos-do-mato, cutias, veados, jacarés, jacus e teiús ou tius e até ratos chamados de rabudos estão entre os animais mais caçados e apreciados. Dentre os macacos, apenas as guaribas são geralmente caçadas por “tabus” (ex: associam macacos menores à figura infantil) e pelo fato da guariba possuir maior quantidade de carne disponível – adultos podem pesar entre 4 e 6 Kg. Convém ressaltar ainda que as guaribas tem se tornado cada vez mais raras em nossa região por perda de florestas, principalmente matas ciliares (que margeiam os cursos d’água) e pela caça excessiva ao longo dos anos.
O único artigo científico e técnico publicado até agora sobre caça para o meio norte do Brasil, para a região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí, foi publicado em 2005, na revista Natureza e Conservação da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza por mim e pelo querido e competente Gaspar Alencar, atualmente gestor da Floresta Nacional de Palmares, Altos, Piauí. Este artigo demonstrou que predomina na região a caça para abastecer comércios locais, cidades vizinhas ao Parque.
Obviamente que a caça de subsistência também ocorre, mas em menor escala quando comparada àquela destinada ao comércio.
Uma técnica bastante utilizada no meio-norte pelos caçadores é a caça solitária ou em dupla com uso de lanterna e espreita, onde o caçador fica no galho de uma árvore frutífera (ex: mirindiba) e/ou com “bebedouros” (locais com água disponível para os animais, principalmente no período seco). Cachorros treinados para caça podem também ser empregados para localizar e acuar animais para abate. No sul do Piauí já foram encontrados e destruídos acampamentos de caçadores que ficam dias acampados caçando e preservando os animais de modo rudimentar para vender para compradores de cidades próximas (comércio local).
Gostaria de compartilhar que ao longo de mais de uma década de trabalhos de campo como biólogo já fui “recebido à bala” por caçadores e tive cães caçadores muito próximos de mim. No Parque Nacional de Sete Cidades fomos alvejados em certa ocasião à cerca de 500 m da sede deste parque (colegas de trabalho e eu), evidenciando a ousadia dos caçadores e os vários problemas de corpo técnico e estrutura para fiscalização, mesmo em Unidades de Conservação. Imaginem então fora de parques…
Caro leitor, independentemente de sua ideologia política, de seu status social e econômico, de sua profissão, se é ambientalista, biólogo ou não. Faço aqui um apelo esperançoso à sociedade do meio norte do Brasil, aos governantes, promotorias de justiça, defensorias, secretarias de meio ambiente. Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPEMA e FAPEPI). Pesquisadores. Cada um de nós.
Quantos não caçam por considerar que precisam preservar a tradição dos mais antigos e por lazer, por satisfação? São muitos. Diria que até mesmo cidadãos com alto poder aquisitivo. Precisamos fortalecer o Ministério do Meio Ambiente e secretarias estaduais e municipais de Meio Ambiente para combate à degradação de nossa Biodiversidade. O projeto de lei que remete à liberação da caça esportiva no Brasil é inaceitável, representando retrocesso ambiental e civilizatório.
Deixo-lhes algumas indagações. Reflitam, por favor. Deixaremos que nossos recursos naturais, que nossa fauna seja gravemente empobrecida em curto espaço de tempo? Permitiremos que a caça seja feita legalmente apenas por bel prazer? Voltaremos a um “período medieval” em pleno século XXI? Vamos contemplar cabeças de onças, jaguatiricas, gatos-maracajá já ameaçados de extinção e outros animais ainda não ameaçados (mas que caminham rumo às listas de fauna ameaçada) expostos como
troféus em mídias sociais e isso sendo legalmente amparado? É isso mesmo que queremos?
Quem assina esse texto é neto de ex-caçador que, quando criança, corria com medo de tatus e outros animais que meu avô trazia da zona rural de Timon e que também por muitos anos trabalhou como biólogo no norte, centro-oeste e nordeste deste Brasil varonil (da Floresta Amazônica e Pantanal até o Cerrado e Caatinga) com ex-caçadores que se tornaram dos mais fortes aliados no combate à caça e também na produção de conhecimento sobre Biodiversidade brasileira. Obrigado pela leitura. Até mais.
Texto escrito pelo prof. Dr. Cleuton Lima Miranda
Biólogo, Pós-doutor na área de Biodiversidade, docente, pesquisador, divulgador científico, cidadão brasileiro e timonense. Filiado ao REPUBLICANOS10 em Timon.
Gaspar da Silva Alencar
Comentou em 01/05/20