Pastora trabalha há 13 anos na Cracolândia e já adotou dois filhos de usuários
“Você está com a pessoa mais querida do mundo, já sabe ou não?”, pergunta um usuário de crack de 70 anos à reportagem. Ele está falando da Pastora Nildes Néri, que, dos seus 50 anos, há 13 trabalha no atendimento aos usuários de drogas da região da Cracolândia. Neste tempo, além de ganhar o respeito dos dependentes – que chegam a esconder o cachimbo quando ela passa – a pastora adotou duas crianças.
A história da pastora Nildes na Cracolândia começa em 2004, quando ela chegou de Salvador para morar na Rua Conselheiro Nébias, região da Luz, onde havia uma grande concentração de usuários. “Eu nunca tinha visto na minha vida tanta gente numa rua usando drogas”. Ela chegou com o marido e duas filhas, de 11 e 15 anos, para ser missionária pela Igreja do Evangelho Quadrangular.
“Vendo as famílias ali, comecei a me preocupar com eles. E da janela de onde eu morava eu via as pessoas morrendo. E acho que a maior necessidade deles muitas vezes era ter alguém para conversar. Era um ouvido, um abraço, um aperto de mão, um bom dia. E eu olhei e falei, quero ajudar essas pessoas”, conta Nildes.
Ela conta que fazia um “trabalho de formiguinha”. “Levava eles para um espaço para dar banho, para dar comida, para ouvir. Então a nossa casa se tornou um lugar onde eles batiam todos os dias”, explica. As filhas de Nildes eram chamadas de “irmãs” pelos usuários.
“É um chamado incondicional, não é pela religião, não é pela igreja. Eu entendo que eu como cristã eu tenho uma responsabilidade”
Acostumados a procurar a pastora quando precisavam, um dia ela escutou: “pastora, nós estamos com uma criança aqui, o pai saiu e não voltou”. Dias depois descobriram que o pai estava preso. O menino tinha 4 anos. Nildes encontrou o avô da criança, que não tinha condições financeiras para criá-lo e passou a guarda para ela.
Rafael hoje tem 12 anos e conhece sua história. “Faz pouco tempo apresentei o pai biológico dele, falo da história que ele teve lá atrás, e o que ele pode conseguir daqui pra frente”, explicou Nildes.
Pouco mais de um ano depois de adotar Rafael, Nildes acolheu em sua casa uma usuária de crack e seu filho de 6 meses. Certo dia, a mãe saiu e não voltou, e a Justiça deu a guarda para a pastora. Hoje, Kauan tem 7 anos e é o caçula dos quatro filhos.
Em 2012, ela se mudou para a Alameda Dino Bueno, que há alguns anos concentrava o “fluxo” de usuários de drogas. No ano seguinte, Nildes foi convidada para trabalhar no Programa Recomeço, do governo estadual, que atende dependentes químicos. No projeto desde então, hoje ela coordena os conselheiros da tenda que fica na esquina da Rua Helvétia com a Dino Bueno. A pastora também virou presidente de uma ONG que trabalha com dependentes, o Centro Assistencial ao Povo Carente de São Paulo.
“Me sinto muito honrada de estar aqui. Eu me sinto muito honrada quando eu entro dentro da Cracolândia e eles escondem o cachimbo, e eles falam, ‘olha a pastora’. É o respeito, né”. “Eu me sinto grata, porque é uma oportunidade que Deus tá me dando pra eu servir o meu semelhante”, conta Nildes.
Apesar do discurso religioso, Nildes disse que não entra com a Bíblia no “fluxo” e nem fala sobre religião. “Não imponho religião, não ando orando com ninguém, mas quando eles pedem ‘pastora, ora por mim’, eu faço”.
“Costumo dizer que sou uma pastora de uma igreja sem teto, de uma igreja sem parede, onde eles não são proibidos de entrar”
“Fiquei muito feliz porque o Padre Julio Lancelloti falou uma frase para mim: ‘você é minha pastora'”. Católico, o padre Júlio é conhecido por seu trabalho de auxílio aos moradores de rua. “Eu disse ‘e você é o meu padre’. Fiquei muito feliz porque não há barreiras”, completa Nildes.
(Do G1)